Recolha de sangue do cordão umbilical pode vir a ser obrigatória

"Recolha de células estaminais do sangue do cordão umbilical pode vir a ser feita como a doação de órgãos: sem declaração prévia, presume-se o consentimento.

Aproveitar um bem precioso que, na maioria dos casos, era atirado ao lixo é o objectivo da criação do banco público de sangue do cordão umbilical, o Lusocord.

Ainda numa fase inicial - começou a funcionar oficialmente em Julho - e sem ter procedido a qualquer divulgação, a actividade do banco passa "pelo palavra passa palavra e pelos blogues de grávidas", explica Helena Alves, directora do Centro de Histocompatibilidade do Norte (CHN), onde funciona o Lusocord. Foram para já recolhidas 300 amostras e o objectivo é conservar mil até ao fim do ano. A partir de 2010, "pretende-se criopreservar pelo menos três mil unidades por ano", explica.

A directora do CHN, que está a negociar com vários hospitais protocolos no sentido de obter a colaboração das unidades na recolha, vê com bons olhos a adopção para o sangue do cordão de uma lei semelhante à da doação de órgãos, que presume o consentimento de quem não recusar explicitamente essa doação. Mas como a adesão ao serviço público tem superado as expectativas, Helena Alves diz que "pode até nem ser preciso". O Ministério da Saúde não exclui a possibilidade de adoptar legislação nesses termos, mas ressalva que só depois de avaliar "as práticas internacionais e as questões éticas".
Optar pelo Estado

Sandra Oliveira decidiu não preservar numa empresa privada o sangue do cordão da filha, Matilde. Restavam-lhe duas alternativas: desperdiçar algo que pode salvar vidas ou proceder à preservação no Lusocord. Optou pela segunda.

"Preferi um serviço gratuito e acessível a toda a gente". Sandra sabe que o sangue de Matilde, que nasceu a 17 de Setembro, poderá ser utilizado noutra pessoa que não a sua filha. E foi precisamente esse aspecto altruísta, de dádiva, que a fez optar pelo banco público.

Já Lia Costa, funcionária do CHN, admite a rir que foi "uma espécie de cobaia", quando guardou o sangue do cordão do filho, Nuno, hoje com um ano. "O Lusocord ainda não tinha sido oficialmente criado e a recolha do sangue do meu bebé serviu para testar coisas", conta. Helena Alves sublinha que "são sobretudo pessoas muito informadas, como familiares de médicos e enfermeiros, quem procura o serviço".

Para cientistas e médicos, a utilidade do banco é óbvia. E até empresas privadas que preservam o mesmo tipo de células consideram que o serviço é complementar ao delas. É o caso da Bioteca e da Future Health, que salientam, contudo, que no privado os pais sabem que as células recolhidas no momento do parto são 100% compatíveis com o próprio bebé. A Crioestaminal diz-se disponível para colaborar com o Lusocord.

Já a directora do CHN não vê qualquer vantagem na armazenagem em bancos privados, por considerar que "a probabilidade de aquele sangue ser utilizado no próprio é mínima". No entanto, garante, "nenhum bebé vai ser prejudicado porque alguém fez uma escolha por ele", caso venha a precisar do Lusocord.

O director do Serviço de Transplantação do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, Manuel Abecassis, também não recomenda o recurso a bancos privados. "Não há evidência científica muito forte que sustente essas empresas", diz. O médico, que fez o primeiro transplante com células do cordão em Portugal, em 1994, realça que "após haver um número de dadores de medula óssea muito significativo o passo seguinte seria o desenvolvimento do banco de sangue do cordão".
Rui Reis, membro da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular, reconhece vantagens importantes no Lusocord, mas não vê o projecto como uma alternativa aos privados. Sobretudo se tivermos em conta que, no futuro, "muitas situações só poderão ser resolvidas com abordagens autólogas (utilização de células do próprio)", em áreas como "queimados, osteoporose, paralisia, etc.".

O Lusocord representa um investimento de mais de €1 milhão e Helena Alves considera que serão ainda necessários cerca de €2 milhões. Para a manutenção do projecto, prevê uma verba de €3 milhões a €3,5 milhões por ano. O "retorno deve começar dentro de três anos", quando amostras nacionais forem disponibilizadas para outros países, dado que o banco vai integrar uma rede internacional. As amostras recolhidas terão três tipos de aplicação: transplante, investigação e medicina regenerativa. O transplante destina-se a doentes com leucemias e linfomas, entre outras patologias."

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